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As estações de serviço merecem ponderada especulação, têm muito que se lhe diga. Estão para os tempos de agora como as malas-postas para os remotos viajantes do princípio do século XIX e, bem assim, as postas de muda dos períodos e lugares em que existiram, como no Império Romano e na mais antiga Pérsia. No entanto, estas estações de muda do século XIX, escolhidas como exemplo, lôbregos antros de abancar, comer borrego com batatas, dormir percevejamente e levantar com o Sol tinham o carácter efémero de um desconforto a sofrer, tão natural no percurso como o cheiro a cavalum, as rodas partidas, os assaltos de bandidos campónios, ou os rins em moinha. As estações de serviço de agora, para muitos portugueses que sofrem uma inclinação arriscada pela ostentação de automóveis e palmilhanço de estradas, fazem parte do universo apelativo e sorvedouro dos centros comerciais, ou das chamadas «grandes superfícies», com vidros, vernizes, jorros de luz, fardas, objectos, pisca-piscas, enfim, aquilo que não se encontrava no campo de previsão de quaisquer escritores medievos ao pretenderem descrever o paraíso terreal, que alcançavam sempre mais pífio e pobrete que estes modernóides, privilegiados e avassaladores conjuntos. São tão populares e bem-amadas as estações de serviço que aos fins-de-semana esvaziam as aldeias, vilas e povoados em redor e toda a gente acorre em excursão a perambular no vistoso palácio da estrada, entre as casas de banho, o self-service, a tabacaria, o balcão dos cafés e das cervejas, tudo do mais fino desaine, muito parecido com outro que há em Insbruck, outro na Lovaina, outro em Salonica. Uma das vantagens destes edifícios, mai-lo seu recheio, é precisamente essa. Deixamos de saber em que terra estamos, viajamos para Singapura, ou para Helsínquia, sem tirar os pés da sacra Pátria lusitana. Mas é preciso conceder, faça-se justiça e pereça o mundo, que as sandes de fiambre aguado com alface requeimada sempre serão mais tragáveis que o bodum do carneiro de outrora, que as rodelas de chouriço não têm comparação com a iguaria equivalente da Dinamarca.
Mário de Carvalho, Fantasia para Dois Coronéis e uma Piscina