Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Passeando às margens do rio, com as montanhas cobertas de nuvens, houve instantes de profundo silêncio, semelhantes aos brilhantes retalhos do céu azul entre as nuvens que se separavam. Era uma noite fria, cortante, com uma brisa que vinha do Norte. A criação não é para os talentosos, para os bem dotados; esses conhecem a criatividade, mas nunca a criação. Criar é transcender o pensamento, a imagem, a palavra e a expressão. A criação é intransmissível, porquanto não pode ser formulada, nem tão-pouco expressa em palavras. Podemos apenas senti-la em estado de total lucidez. Mas é impossível utilizá-la ou colocá-la à venda no mercado.
O cérebro, com as suas inúmeras e complexas reacções, não pode compreendê-la, porquanto não dispõe de meios para entrar em contacto com a criação; ele é incapaz de fazê-lo. O conhecimento é um obstáculo e, sem auto-conhecimento, nada se cria. O intelecto, o afiado instrumento do cérebro, não pode conceber a criação. O cérebro, com suas secretas exigências e buscas, com suas numerosas e astutas virtudes, deve permanecer quieto, mudo, e ao mesmo tempo, alerta e silencioso. Assar um pão ou escrever um poema não é criação. Para tanto, tem de ser natural e espontâneo, e, livre de conflito ou dor, o findar de toda actividade cerebral. Não deve haver nem sombra de conflito ou imitação.
Só então ocorre o espantoso movimento da criação. Ela surge da completa negação; sem ser um processo dependente do tempo, a criação transcende o espaço. Resulta da morte total, do completo aniquilamento.
Havia silêncio dentro e fora de nós, ao acordarmos, hoje de manhã. O corpo e o cérebro, sempre tão calculista e avaliador, estavam calmos e imóveis, embora altamente sensíveis e atentos. E, mansamente, ao raiar do dia, brotando de uma fonte desconhecida, sobreveio-nos aquela força, com a sua energia e pureza. Parecia não ter raízes, não ter causa, mas estava lá, intensa e sólida, de incalculável dimensão e profundidade. Permaneceu assim durante algum tempo, medido pelo relógio, e se foi, como uma nuvem que desaparece atrás da montanha.
Cada vez existe algo de “novo” naquela bênção, uma qualidade “nova”, um “novo” perfume; no entanto, é ela imutável. É o próprio incognoscível.
0 processo esteve agudo durante certo tempo e ainda perdura, porém de forma atenuada. Tudo é estranho e imprevisível.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti