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O acto de questionar é mera revolta, uma reacção ao que é, e as reacções são destituídas de significado. Os comunistas estão em revolta contra os capitalistas, o filho contra o pai; e há os que se recusam a aceitar a norma social, aqueles que buscam eliminar a opressão económica da sociedade. É possível que esse tipo de revolta seja necessário, mas, em verdade, é muito superficial; substituindo velhos padrões por outros mais novos, a mente continua presa a sistemas repetitivos que a destroem. A constante revolta dentro dos muros da prisão faz parte da reacção do imediatismo perante as questões fundamentais da existência; preocupados com a decoração do interior dessa prisão, o que nos traz enorme satisfação, esquecemo-nos da tarefa primordial de demolir-lhe os muros. O descontentamento superficial faz parte da prisão e não nos leva muito longe; é capaz de nos levar à lua ou à bomba atómica, mas tudo isso continua dentro dos limites do sofrimento. Mas, questionar a própria estrutura do sofrimento e transcendê-lo já não significa fugir. Trata-se de algo mais fundamental e urgente do que ir à lua ou ao templo; e é este questionar que destrói aquela estrutura e não a construção de uma prisão mais moderna e sofisticada, com os seus deuses e redentores, com os seus economistas e líderes políticos. Esta investigação é que elimina o mecanismo do pensamento e não a mera substituição de um pensamento por outro, de uma conclusão por outra, de uma por outra teoria. Neste tipo de investigação, questiona-se a validade da autoridade como um todo, da autoridade da experiência, da palavra e do poder, esse mal tão respeitado. Tal contestação, não oriunda da reacção, da escolha e do motivo, aniquila a actividade egocêntrica dos moralistas e dos adeptos da respeitabilidade. E é justamente esta actividade egocêntrica que, em vez de ser completamente eliminada, continua passando por intermináveis reformas, dando origem ao perene sofrer. Tudo aquilo que possui causa e motivo conduz, inevitavelmente, à agonia e ao desespero.
Tememos o total aniquilamento do conhecido, que é a base do ego, do “eu”, do “meu” ; damos preferência ao conhecido com toda a sua confusão, conflito e miséria; com a liberdade das coisas conhecidas, corremos o risco de perder aquilo que denominamos amor, relações, felicidade e tudo o mais. A questão explosiva, fundamental, de nos libertarmos do conhecido, o que não é mera reacção, põe fim ao sofrimento e o amor transcende, então, o pensamento e o sentimento.
Como são frívolas e vazias as nossas vidas! As nossas actividades e pensamentos são mesquinhos e, incapazes de libertar-nos do conflito e da dor, movimentamo-nos sempre dentro daquilo que conhecemos,
na eterna busca de segurança psicológica. Mas não existe a segurança no conhecido. A segurança é tempo, e o tempo psicológico, o tempo subjectivo, não existe; como toda a ilusão e mito, gera o medo. Nada é permanente na vida. Através da correcta observação e do questionamento destruímos o padrão erigido pelo pensar e sentir, o padrão do passado, o padrão estabelecido. Cessa o conhecido através do autoconhecimento, da profunda compreensão da totalidade do pensamento e sentimento, da total consciência de cada movimento do pensamento e sentimento. O conhecido só nos faz sofrer, e o amor surge com a libertação do conhecido.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti