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A estranha energia esteve presente o dia todo; ténue, a maior parte do tempo, atingia momentos de intenso fulgor para, em seguida, reduzir a chama e prosseguir suavemente. A intensidade daquela energia imobilizara-nos, obrigando-nos a permanecer sentados. De madrugada, sentíamos a sua poderosa presença e, no silêncio do terraço, quando a cidade se aquietara, a meditação não se fizera de rogada e lá estava ela em toda a sua plenitude. O êxtase revelava a futilidade e infantilidade de tudo. Como era comum, nestas ocasiões, o corpo estava imóvel e o cérebro permanecia silencioso e sensível.
Pouco mudamos no decorrer das nossas vidas. Costumamos modificar-nos sob pressão interna ou externa, o que, na realidade, é mero ajustamento. Algum tipo de influência, uma palavra, um gesto, podem
suscitar a mudança superficial dos nossos hábitos. A propaganda, o jornal, ou um incidente qualquer alteram, até certo ponto, o curso dos acontecimentos. O Medo e a recompensa podem levar à substituição de um dado padrão de pensamento por um outro. Também o invento, a ambição, a crença acarretam diversas mudanças. Mas, tudo isto é tão insignificante quanto o movimento da superfície das águas. Não são fundamentais, profundas ou devastadoras aquelas transformações, pois a mudança, baseada em motivo, nada significa. A revolução sócio-económica é uma reacção e, como tal, nada tem de radical; consiste apenas numa troca de padrões. Esta mudança é mero ajustamento, uma acção mecânica, gerada pelo desejo de conforto, segurança, sobrevivência física.
Que produz a verdadeira mutação? O tempo e o espaço são o limite da consciência, do mecanismo do pensamento, do sentimento e da experiência. É um todo indivisível; por necessidade de comunicação, adoptamos a subdivisão da consciência em consciente e inconsciente, mas isso não é real. Ao nível superficial da consciência ocorrem mudanças, ajustamentos, reformas, acumulação de conhecimentos e técnicas; são superficiais e efémeras as mudanças que visam apenas ao ajustamento a uma nova ordem sócio-económica. O inconsciente aflora em sonhos, revelando as suas obsessões, exigências e íntimos desejos. Disso surge a necessidade de se interpretarem os sonhos, mas o intérprete é uma entidade condicionada. O estado de observação, livre da escolha e dualismo, é capaz de compreender instantaneamente qualquer movimento do pensamento e sentimento; torna-se desnecessário sonhar e o sono passa a ter um significado totalmente diverso. O observador e a coisa observada, o censor e o objecto da crítica, fazem parte da análise, da face oculta do consciente. Da análise nascem o conflito e o observador, esta entidade condicionada que interpreta e avalia os acontecimentos de maneira falsa e distorcida. Ainda que responsáveis por mudanças e ajustamentos superficiais da consciência, a auto-análise e a psicanálise são incapazes de provocar a sua radical transformação, ou a sua mutação.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti