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Existirá o futuro? Conhecemos a rotina do futuro planeado; das obrigações e tarefas a serem executadas posteriormente. Esses planos podem vir a ser alterados, modificados ou até mesmo esquecidos, mas o futuro permanece como um facto incontestável. Existe a distância entre dois pontos no espaço, entre o próximo e o distante; a distância em quilómetros; o espaço entre os seres; o veloz movimento do pensamento; a outra margem do rio e a lua distante. Há o tempo necessário para se percorrer um espaço, uma distância, e o tempo preciso para se cruzar o rio; para nos deslocarmos de um ponto a outro, o tempo é necessário, seja de um minuto, um dia, ou um ano. Esse é o tempo cronológico, tempo como meio de atingir um objectivo físico. Isto é óbvio e claro. Mas existirá um tempo futuro, completamente diferente deste tempo mecânico e cronológico? E, no plano psicológico, terá significado o tempo?
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Existirá um ponto de chegada? Chegar significa viver no sofrimento e na sombra do medo. E haverá um ponto de chegada psicológica, uma meta a ser alcançada, um resultado a ser atingido? O pensamento estabelece um objectivo: deus, a bênção, o bom êxito, a virtude e tudo o mais. Mas, o pensamento é apenas a reacção da memória, que cria o tempo necessário para transpor a distância entre o que é e o que deveria ser. Este, por sua vez, é o ideal, mera questão teórica, sem nenhuma realidade. A verdade não depende do tempo, não tem nenhum objectivo por alcançar, nem distância a percorrer. O facto existe, e o mais é uma ficção. A verdade aparece quando se morre para o ideal, para as realizações, e para o objectivo, mera fuga do facto. O facto elimina o tempo e o espaço. E, então, existirá a morte? 0 que existe é o lento findar, a deterioração física, o desgaste orgânico que conduz à morte. Mas isto é tão inevitável quanto o desgaste da ponta do lápis. E será esta a causa do medo? Ou o que tememos é o findar do padrão de vida do vir-a-ser, do lucro, da realização? Este mundo nada vale; é o mundo da aparência e da fuga. O facto, aquilo que é, difere totalmente do que deveria ser. Este contém o tempo e a distância, o medo e a dor. O facto, o que é, resulta da morte do que deveria ser, onde já não há lugar para o futuro. O pensamento, criador do tempo, é impotente perante o facto e, incapaz de modificá-lo, luta para dele escapar; mas o facto sofre uma tremenda mutação ao cessar o movimento da fuga que determina a morte do pensamento, que é tempo. Na ausência do tempo e do pensamento existirá o facto, o que é? Aniquilando o tempo, o pensamento, quando já não existe movimento nem direcção, nem distância a percorrer, deparamos com a imobilidade do vazio. E nisto está a total destruição do tempo, do ontem, hoje e amanhã, da memória, da continuidade e do vir-a-ser.
Livre do tempo, resta apenas o presente imediato, a vida no agora. Dai nasce o estado de atenção fora dos limites do pensamento e do sentimento. As palavras e os símbolos, como instrumentos de comunicação, em si nada significam. A vida está sempre no presente; o tempo pertence tanto ao passado quanto ao futuro, e a morte do tempo exprime a vida no presente. Eis o que é a imortalidade, não a vida dentro dos limites da consciência. Esta é resultado e prisioneira do tempo. Quando o tempo deixa de existir, desaparece o sofrimento inerente ao processo do pensar e sentir.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti