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(...) a meditação, ao amanhecer, no quarto estranho, revelava o esplendor da luz na presença daquela coisa singular. De novo, vislumbrava-se a paz verdadeira, a paz sem artifícios, não aquela preconizada por políticos e sacerdotes, ou a acalentada pelos contentados; a sua vastidão, inacessível ao pensamento ou ao sentimento, transcendia o tempo e o espaço. Concreta como a terra e todas as coisas que a povoam, ela continha e transcendia o universo. Para que a paz se torne real é preciso que o homem, tal como é, deixe de existir.
O tempo repete incessantemente os seus desafios e seus problemas, em que as reacções e respostas visam apenas ao presente imediato. Fica-se enredado no desafio imediato e na maneira mais rápida e eficiente de resolvê-lo. A pronta resposta ao desafio do presente faz parte do materialismo, com os seus problemas insolúveis e agonias intermináveis; o intelectual reage com acções baseadas em ideias, de raízes profundas no tempo, no imediato, e os insensatos, deslumbrados, seguem-no; o representante da religião, que depende da propaganda e da crença, responde ao desafio com a sua bagagem cultural; os demais agem de acordo com o gosto, a tendência, o preconceito ou a esperteza de cada um. E todo o gesto seu ou argumento perpetua o desespero, a dor, a confusão. E isso não tem fim. Abandonar o conjunto destas reacções não resolve o problema. Não adiante negá-lo, aceitá-lo, criticá-lo, racionalizá-lo ou até mesmo eliminá-lo, denominando-o ilusão ou maya. Nada disso traz a libertação do sofrimento. A interminável série de desafios e respostas deve cessar, para que do vazio criador surja a resposta verdadeira às solicitações imediatas, que talvez seja a ausência de reacção. Toda e qualquer manifestação do pensamento e da emoção serve apenas para prolongar o desespero e agonia de problemas insolúveis; a resposta definitiva transcende o imediato.
A esperança, a vaidade e a ambição emanam do imediatismo, do presente ou do futuro, e é esta a trajectória do sofrimento. A resposta imediata ao desafio jamais nos liberta do sofrimento, que finda ao percebermos este facto.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti