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Dias miraculosamente atingidos pela esterilidade. Em vez de me regozijar, de gritar vitória, de converter em festa essa secura, de ver nela uma ilustração do meu êxito e da minha maturidade, deixo-me invadir pelo despeito e pelo mau humor, de tal modo é tenaz em nós o velho homem, o canalha turbulento, incapaz de se apagar.
E. M. Cioran, Do Inconveniente de Ter Nascido
Tudo existe; nada existe. Uma e outra fórmula trazem-nos uma serenidade idêntica. O ansioso, para sua infelicidade, fica entre as duas, trémulo e perplexo, sempre à mercê de um matiz, incapaz de se estabelecer na segurança do ser ou da ausência de ser.
E. M. Cioran, Do Inconveniente de Ter Nascido
O verdadeiro contacto entre os seres apenas se estabelece através da presença muda, da aparente não-comunicação, da troca misteriosa e sem palavras que se assemelha à oração interior.
E. M. Cioran, Do Inconveniente de Ter Nascido
Regra geral, os homens esperam a decepção: sabem que não precisam de se impacientar, que ela mais cedo ou mais tarde chegará, que lhes concederá o prazo necessário para que se possam dedicar às coisas que estão a fazer. Assim não acontece com o desiludido, para quem ela surge ao mesmo tempo que o acto; ele não precisa de a aguardar, ela já está presente. Ao libertar-se da sucessão, ele devorou o possível e tornou supérfluo o futuro. «Não posso encontrar-me convosco no vosso futuro - diz aos outros. - Não há um único instante que nos seja comum». Pois, para ele, todo o futuro está já ali.
Quando percebemos o fim no começo, andamos mais depressa do que o tempo. A iluminação, decepção fulminante, concede uma certeza que transforma o desiludido em liberto.
E. M. Cioran, Do Inconveniente de Ter Nascido
Eu não faço nada, como é sabido. Mas vejo as horas passarem - o que é bem melhor do que tentar preenchê-las.
E. M. Cioran, Do Inconveniente de Ter Nascido
Existe um conhecimento que retira peso e alcance ao que fazemos: para ele, tudo está desprovido de fundamento, à excepção de si mesmo. Puro no ponto de abominar a própria ideia de objectivo, ele traduz essa sabedoria extrema segundo a qual é indiferente praticar ou não praticar um acto, e que se faz acompanhar por uma satisfação também ela extrema: a de poder repetir, em todas as circunstâncias, que nenhum gesto que façamos justifica a nossa adesão a ele, que nada é valorizado por qualquer vestígio de substância, que a «realidade» é da alçada da insensatez. Um tal conhecimento mereceria ser chamado de póstumo; ele actua como se o conhecedor estivesse e não estivesse vivo, simultaneamente ser e recordação de ter sido. «É já passado», diz ele de tudo o que realiza, no próprio instante o acto, que deste modo fica para sempre destituído de presente.
E. M. Cioran, Do Inconveniente de Ter Nascido