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1mg

29.04.20

O verdadeiro Amor está na beleza e alma das coisas, não nas coisas em si. Só uma mente capaz, sã, equilibrada pode captar todo o seu perfume e profundidade; só um coração puro pode senti-lo em plenitude. O resto, o amor (naturalmente em minúscula grafado) possessivo da carne pela carne, da pele sentimentalista, do estômago do ego, são pornografias das sensações, fantasias hodiernas carregadas de obsessivos condicionamentos, confusos modos de pensar vendidos, adquiridos e difundidos, sem que a Palavra se misture com o Ser.  O Amar maiúsculo, musculado dir-se-ia, do afecto limpo, sensível e incondicionado, pode ser sentido por qualquer coisa, vivo e até inanimado. Um estado, talvez, tocado pelo divino, um navegar livre no imensurável.  

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06.04.20

 

E estava alcançada esta coisa grande e única: tinha-se deixado cair. Não era necessário que fosse na água e na morte que se deixasse cair, do mesmo modo se poderia ter deixado cair na vida. Mas isso não era importante, nada havia a perder. Ele regressaria, ele tornaria a viver. E já não precisaria então do suicídio, nem de nenhum daqueles estranhos rodeios, nenhuma daquelas penosas e dolorosas tolices: teria já vencido a angústia.

Maravilhoso pensamento: uma vida sem angústia! Superar a angústia era a bem-aventurança, era a redenção. Como ele sofrera de medo toda a vida e agora, quando a morte já o estrangulava, não sabia o que isso era, nem angústia, nem pavor, só sorriso, só redenção, só concordância. Reconheceu, de repente, o que era a angústia e como só poderia ser superada por quem a tivesse conhecido. Tinha-se medo de milhares de coisas, de dores, de juízes, do próprio coração, tinha-se medo de adormecer, medo de acordar, medo da solidão, da loucura, da morte – especialmente dela, da morte. Mas tudo eram máscaras e disfarces. Na realidade, só uma coisa havia de que se tinha medo: do deixar-se cair, do passo incerto, do pequenino passo para além de todas as garantias. Quem uma vez, uma única vez se entregasse, quem uma vez tivesse confiança e se abandonasse ao Destino, esse ficaria liberto. Não obedeceria mais a lei do mundo, cairia no espaço universal e mover-se-ia no curso das constelações. Assim era. E era tão simples que qualquer criança podia compreender.

Klein não pensou isto como quem raciocina; viveu, sentiu, apalpou, cheirou, viu e compreendeu o que era a vida. Viu a criação do mundo, viu o fim do mundo, ambos como duas hostes, permanentes em marcha uma contra a outra, mas sempre a caminho, sem repouso. O mundo nascia e morria continuamente. Cada vida era um sopro exalado por Deus. Cada morte um sopro da respiração divina. Quem aprendesse a não resistir, a deixar-se cair, morria facilmente e facilmente nascia. Quem resistisse, sofria angústia, a morte ser-lhe-ia difícil e nascia contra vontade.

Na escuridão cinzenta da chuva, sobre o lago nocturno, viu, ao submergir-se, reflectido e representado o jogo do mundo: sóis e estrelas rolavam subindo e rolavam descendo, coros de homens e animais, espíritos e anjos defrontavam-se, cantavam, calavam, gritavam; multidões lutavam umas contra as outras, cada ser desconhecendo-se a si próprio e odiando-se e perseguindo-se a si em cada um dos outros. A ânsia de todos era a morte, o repouso, o alvo de todos era Deus, o regresso a Deus, a permanência em Deus! Esse alvo era criador de angústia, porque era erro. Não havia permanência em Deus! Não havia repouso! Havia só o eterno fluxo e refluxo, criação e dissolução, nascimento e morte, partida e regresso, sem pausa, sem fim. E por isso havia uma só arte, só uma doutrina, só um mistério: deixar-se cair, não resistir à vontade de Deus, não se agarrar a nada, nem ao Bem nem ao Mal. Era a redenção, só então se estaria liberto do sofrimento e da angústia.

A vida desenrolava-se como uma região de florestas, vales e aldeias contemplada do cimo de uma alta montanha. Tudo tinha sido bom, simples e bom, e tudo se tornara, pela sua angústia e pela sua resistência, em torrente e confusão, em medonho remoinho e convulsão de miséria e desgraça. Não havia mulher sem a qual se não pudesse viver, e também não havia nenhuma com quem se não pudesse viver. Não havia coisa alguma, no mundo, que não fosse tão bela, tão desejável, tão capaz de dar felicidade como o seu contrário. Era bem-aventurado viver, era bem-aventurado morrer, desde que se estivesse só no universo. Repouso vindo do exterior não havia. Nem repouso no cemitério, nem repouso em Deus, nem sortilégio algum jamais interrompia a eterna cadeia do nascimento, a infinita sucessão do respirar de Deus. Mas havia repouso no próprio íntimo. Chamava-se: deixa-te cair! Não te defendas! Morre com gosto! Vive com gosto!

Hermann Hesse, Ele e o Outro

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Sinto no meu largo peito o teu coração bater. Que aflito estás, Homem! Que medos e desesperos te assolam! Novo, velho te encontras. Velho, jovem sem rumo te queres mostrar. Senta-te aqui ao lado, na minha escada.  Nada peças, nada procures, nada queiras. Respira. Fundo. Tudo faz apaixonadamente aberto à incerteza. Vive quieto no presente – é este o momento. Sente a brisa e o perfume da flor que nela se embrenha. Voa com o pássaro e nada no seio de todas as vagas. A onda chega e parte. A maré molha o que o Sol secará. E se ele não fizer evaporar a tua ilusão, o teu inquieto ansiar, permanece firme, sem temor, no teu trémulo desassossegar. Se atento estiveres, verás brilhar a dissolução do teu confuso penar: pensar. Demasiado. Adoentada e desequilibradamente.   

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Estas quatro canções, escrevi-as estando doente.

Agora ficaram escritas e não penso mais nelas.

Gozemos, se pudermos, a nossa doença,

Mas nunca a achemos saúde,

Como os homens fazem.

 

O defeito dos homens não é serem doentes:

É chamarem saúde à sua doença,

E por isso não buscarem a cura

Nem realmente saberem o que é saúde e doença.

Alberto Caeiro

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