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30 de Novembro

30.11.21

(...)

É estranho como ninguém jamais diz: “não sei”. Para que possamos realmente dizer e sentir isto é preciso haver humildade; mas ninguém admite o facto de nada saber. É a vaidade que busca o conhecimento. Estranha doença esta que nos faz oscilar entre a esperança e o desalento. Porém, ao reconhecermos a nossa ignorância a respeito de alguma coisa, interrompemos o processo mecânico do saber. Existem inúmeras maneiras de se dizer: “não sei” ; uma delas vem do desejo de alcançar o poder e a fama, mediante o emprego de métodos subtis e fraudulentos; dizemos também “não sei” quando queremos ganhar tempo para descobrir algo ou, então, quando não sabemos e não temos a preocupação de chegar a algum ponto. Aquele que adopta o primeiro caminho jamais aprende, pois só é capaz de acumular conhecimentos; ao adoptar o segundo, porém, ele se acha em permanente estado de aprendizagem. É necessário haver liberdade no aprender para que a mente se conserve jovem e pura; toda a forma de acumulação faz com que a mente feneça na decadência e na senilidade. Não é a inexperiência a marca da pureza, senão o facto de estar livre da experiência; para tanto é preciso morrer para qualquer tipo de experiência, a fim de que ela não crie raízes no fértil solo do cérebro. A experiência faz parte da vida, mas esta não pode florescer num solo repleto de raízes. A humildade, porém, não vem com o abandono consciente do conhecido, pois este decorre da vaidade da realização; a humildade é o estado do não saber, oriundo do constante findar. O medo da morte vem sempre do saber, jamais do não saber. Impossível temer o desconhecido; só existe o medo na mudança ou no término do conhecido.

O hábito da palavra, o seu conteúdo emocional, os seus diferentes sentidos nos escravizam a ela, às conclusões e às ideias. Vivendo de palavras, o homem torna-se insaciável na sua fome interior, o que o impele a cavar incessantemente, sem jamais colher frutos. Passa, então, a viver no mundo da irrealidade, do faz-de-conta, do inútil sofrimento. Toda a crença é mero verbalismo, uma conclusão do pensamento, um conjunto de palavras que corrompe e avilta a beleza espiritual. Destruir a palavra é o mesmo que demolir a estrutura interna da busca de segurança, que é sempre vã. O auge do sentimento de segurança nasce daquele estado de insegurança, bem diferente da súbita e violenta privação de segurança, origem de inúmeros estados patológicos; viver na insegurança é ter a força da humildade e da inocência, inacessível aos arrogantes.

Krishnamurti, Diário de Krishnamurti

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29 de Novembro

30.11.21

(...)

Não havendo sensibilidade, não pode haver afecto; o amor-próprio não indica sensibilidade; podemos ter sensibilidade em relação às nossas famílias, às nossas realizações, ao nosso nível social e nosso talento, mas isto não quer dizer que sejamos sensíveis. Trata-se de estreita e limitada reacção, que conduz à deterioração. Ser sensível não é ter bom gosto, pois este é uma qualidade pessoal, e a percepção da beleza está justamente no libertar-nos de toda a reacção. Se não soubermos apreciar e sentir a beleza, não poderemos amar. Sentir a natureza, o rio, o céu, as pessoas, a estrada imunda, faz parte da afeição, cuja essência é a própria sensibilidade. Mas, a maioria das pessoas teme a sensibilidade, e isso porque não querem sofrer; para evitar o sofrimento, preferem embrutecer-se, mas nem assim ele desaparece. Inconformados, buscam o divertimento, a igreja, as crenças, as intrigas, o cinema e as reformas sociais como forma de evasão. Mas nada disso funciona. A sensibilidade não é uma qualidade pessoal, e se fosse, conduziria inevitavelmente ao sofrimento. Amar é romper com esta cadeia interminável de reacções individuais; não há barreiras para o amor; ele não se limita a um ou a vários objectos do amor. Para que haja sensibilidade é preciso que todos os sentidos estejam plenamente despertos e actuantes; o medo de nos escravizarmos aos sentidos é mero desejo de escapar da realidade. Ao tomarmos consciência do facto, libertamo-nos da servidão; é justamente o medo do facto que nos aprisiona. O pensamento emana da esfera dos sentidos e é responsável por inúmeras limitações, mas nem por isso nós o tememos. Pelo contrário, procuramos enobrecê-lo, através da respeitabilidade, o dignificamos e exaltamos mediante o cultivo da vaidade. A lúcida observação do pensamento, do sentimento, do mundo em derredor, do nosso local de trabalho e da natureza, significa vibrar a cada instante na afeição. Sem afecto, toda a acção é mecânica, a qual oprime e conduz inevitavelmente à decadência.

(...)

Para os pretensamente religiosos, a sensibilidade é sinónimo de pecado, mal próprio de pessoas mundanas. Para elas, ser religioso é resistir à tentação do belo, esse mal que desencaminha os seus seguidores. A boa acção não substitui o amor e, sem o amor, toda a acção conduz ao sofrimento. A sensibilidade é a essência do afecto e, sem ela, toda a idolatria é fuga ao real. O monge e o “sanyasi” temem os sentidos, mas não o pensamento, que serve ao deus da sua escolha. Todavia, o pensamento pertence aos sentidos. O tempo é criação do pensamento, que transforma a sensibilidade em pecado. A virtude surge ao transcendermos o pensamento, virtude que é extrema sensibilidade, e o próprio amor. Amemos, porquanto no amor não há pecado; amemos, e estaremos livres do sofrimento.

Krishnamurti, Diário de Krishnamurti

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27 de Novembro

27.11.21

(...)

Como é estranho o desejo de se exibir ou de ser alguém! Invejar é odiar, e a vaidade corrompe. Como é difícil a simplicidade e a autenticidade! A autenticidade é, em si, uma tarefa das mais árduas, ao passo que o desejo de se tornar alguém oferece pouca dificuldade. É muito fácil fingir ou representar, mas é extremamente complexo sermos aquilo que somos; e isto porque estamos sempre a mudar; nunca somos os mesmos e cada instante revela uma nova faceta, uma nova dimensão e profundidade. Não podemos ser todas estas coisas ao mesmo tempo, pois cada instante traz consigo algo novo. Portanto, se formos inteligentes, abriremos mão da pretensão de sermos alguém ou alguma coisa. Podemos estar certos de que somos muito sensíveis e eis que um incidente ou um pensamento fugaz nos mostra o contrário; ou, então, podemos considerar-nos talentosos, cultos, de agudo senso estético e dignos, mas, de repente, ao dobrarmos uma esquina, percebemos o quanto somos ambiciosos, invejosos, carentes, brutais e ansiosos. Somos tudo isto, de momento a momento, e, no entanto, desejamos a continuidade e a permanência daquilo que nos traga lucro e prazer. E enquanto buscamos o lucro e o prazer, todas as demais formas do nosso ego não cessam de exigir preenchimento. Tornamo-nos, assim, um campo de batalha onde a ambição, trazendo prazer e dor, sai vitoriosa, com a sua inveja e medo. A palavra amor serve para manter as aparências, para garantir a respeitabilidade e a instituição familiar; porém, nós nos vemos enredados nos nossos próprios compromissos e actividades, isolados, ansiando por reconhecimento e fama, nós e a nossa pátria, nós e o nosso partido, nós e nossos misericordiosos deuses.

Portanto, é extremamente difícil sermos o que somos; se estivermos despertos, sabemos o quanto isto é doloroso e verdadeiro. Ao percebermos este facto, entregamo-nos ao trabalho, a uma crença, aos nossos fantásticos ideais e meditações. Àquela altura, já estamos velhos e prontos para morrer, se é que ainda não morremos interiormente. Deixar tudo isto de lado, libertando-nos da contradição e do eterno sofrimento e renunciar a qualquer forma de preenchimento ou realização pessoal, é o que de mais natural e inteligente nos cumpre fazer. Mas, para que procedamos assim, para que deixemos de ser alguém, é preciso desvendar a nossa face oculta, expô-la sem medo, a fim de a compreendermos. A compreensão das nossas ânsias e desejos ocultos vem da plena consciência deles, o que é também indispensável perante a morte; desta forma, o puro acto de ver destrói aquela estrutura psicológica, libertando-nos do sofrimento e do desejo de ser alguém. Não ser alguém não significa um estado interior negativo; o próprio acto de negarmos aquilo que somos é uma atitude realmente positiva, e não uma reacção, que, em verdade, é inacção; é desta inacção que se origina o sofrimento. Em tal negação reside a própria liberdade. Desta ação positiva nasce incrível energia; ideias e pensamentos dissipam energia. Ideia é tempo, e viver no tempo é viver na desintegração e no sofrimento.

Krishnamurti, Diário de Krishnamurti

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26 de Novembro

26.11.21

(...)

Era cada vez mais intenso o êxtase que nos assaltara, inesperadamente, ao longo daquela estrada estreita e tortuosa, à luz do anoitecer. Ele surgiu ao observarmos a minúscula aranha saltar ágil sobre as moscas, agarrando-as com ferocidade; veio-nos da observação de uma única folha trémula no meio da folhagem imóvel e ao observarmos o pequeno esquilo mal-humorado com a sua longa cauda balançando para cima e para baixo. Era sem motivo o êxtase, ao passo que a alegria, por ser o resultado de alguma coisa, é fútil e varia conforme as circunstâncias. Esse estranho e inexplicável êxtase crescia sempre de intensidade e o que é intenso jamais se brutaliza; ainda que dócil e flexível, era extremamente apaixonado. Não se trata do arrebatado vigor da energia física concentrada, nem de um produto do pensamento em busca de um ideal, ou absorto em si mesmo; tão-pouco se refere a um sentimento elevado, pois este não está isento da causa ou da finalidade. Era um êxtase gratuito, livre da concentração, que é a única barreira da energia total. De origem e evolução espontânea, parecia uma força alheia ao nosso controlo e desejo; não podíamos opinar sobre a matéria. Havia incrível delicadeza naquela crescente energia. A palavra delicadeza está deturpada; sugere fraqueza, pieguice, hesitação, incerteza, timidez, um certo medo e assim por diante. Mas não era nada disso; a sua força e vigor estavam isentos de defesas e, portanto, havia intensidade naquele êxtase. Impossível cultivá-lo, ainda que o quiséssemos; tratava-se de um estado que não pertencia à categoria do forte e fraco. Vulnerável como o amor, aquele êxtase tão delicado crescera tanto que era como se nada mais existisse. 0 ir e vir das pessoas, a viagem de automóvel e a conversa, o veado e a palmeira, as estrelas e os arrozais lá estavam em todo o seu esplendor; mas, tudo isso se confundia com aquele supremo êxtase. Uma chama tem linha e forma, mas no interior da chama o que existe é intenso calor, sem linha ou forma.

Krishnamurti, Diário de Krishnamurti

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25 de Novembro

25.11.21

(...) Lá estava o intenso e profundo fulgor do iminente clarão daquela coisa desconhecida, de incorruptível força e pureza. O que era belo atingiu o auge do esplendor, glorificando tudo e se desfazendo em êxtase e riso, que não só penetrava no âmago do nosso ser, mas também se espalhava por entre as palmeiras e o arrozal. Ainda que raro, o amor estava presente naquela cabana, à luz do candeeiro; e havia amor na mulher envelhecida com a sua carga pesada sobre a cabeça, no menino nu que fingia soltar fogos de artificio ao balançar um pequenino pedaço de madeira faiscante na ponta de um barbante. O amor estava em toda a parte, tão abundante que se podia surpreendê-lo sob a folha seca caída ao chão, ou entre as folhas do jasmineiro, ao lado da casa em ruínas. Mas, estavam todos ocupados, absortos nos seus afazeres e perdidos nos seus problemas. Aquele êxtase transbordava do coração, enchia a mente e preenchia o espaço celestial, sem jamais nos abandonar. Porém, seria preciso morrer para todas as coisas, sem derramar lágrimas e sem nutrir remorsos. Somente, então, com alguma sorte e se tivéssemos cessado de buscá-lo, entre esperançosos, súplices ou queixosos, o êxtase viria a nós sem ser chamado. Livres do apego, livres da infelicidade e do pensamento, seríamos capazes de percebê-lo ali, sobre aquela estrada escura e poeirenta.

A meditação floresce na bondade. Sem ser a virtude, cujo lento cultivo exige tempo, sem exprimir a respeitabilidade social e sem representar a chancela da autoridade, a beleza da meditação é o perfume do seu desabrochar. Como poderá haver alegria na meditação, se ela provém do desejo e do sofrimento? Como poderá florir, se a estivermos buscando através do controle, da repressão e do sacrifício? Como poderá desabrochar das sombras do medo ou na venal ambição e desejo de fama? Como poderá florescer à sombra da esperança e do desespero? Tudo isso tem de ser abandonado de maneira espontânea, natural e sem remorsos. A meditação não pretende levantar muros de defesa e resistência para, em seguida, fenecer; tão-pouco foi ela talhada segundo um método ou sistema. Qualquer sistema padroniza o pensamento e o conformismo impede o florescer da meditação. Para que ela desabroche é preciso haver liberdade e a morte daquilo que é. Sem liberdade não há auto-conhecimento e sem o auto-conhecimento não existe a meditação. Por mais longe que o pensamento alcance, na sua busca de conhecimentos, ele continua estreito e medíocre. A meditação não está no processo aquisitivo e expansivo do saber. Ela viceja em total liberdade, e fenece no conhecido.

Krishnamurti, Diário de Krishnamurti

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22 de Novembro

22.11.21

(...)

A repressão é a essência do controlo. O ver puro e simples põe fim a toda a forma de repressão; o acto de ver é infinitamente mais subtil do que o mero controlo. É relativamente fácil exercer o controlo sobre as coisas, pois não requer muita compreensão; o conformismo a um dado padrão de comportamento, a obediência à autoridade estabelecida, o medo de não estar agindo correctamente, o desejo de bom êxito e fama, tudo isso concorre para o recalque daquilo que é, ou para a sua sublimação. O simples acto de ver “o que é”, qualquer que seja o facto, significa compreendê-lo e isso serve de base à mutação.

Krishnamurti, Diário de Krishnamurti

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21 de Novembro

21.11.21

A escolha está sempre presente na vida; mas, na solidão, não existe escolha. Toda a forma de escolha traz conflito e sempre acarreta a contradição, que origina confusão e sofrimento. O desejo de escapar ao sofrimento transforma em obsessão toda e qualquer actividade humana, seja ela a busca de um deus, seja uma crença, seja a defesa do nacionalismo. Ao servirem de fuga, tais actividades adquirem total importância; mas, em verdade, a fuga leva sempre à ilusão, origem da ansiedade e do medo. A amargura e o desespero são a essência da escolha. A escolha ou a selecção terá de existir enquanto houver a entidade que escolhe e a acumulação de memória da dor e do prazer; o acto de experimentar o objecto da nossa escolha serve apenas para fortalecer a memória que passa a reagir na forma de pensamento e sentimento. A memória tem uma função específica e mecânica, da qual nasce a escolha. Nela não há liberdade. Escolhemos conforme o meio em que fomos educados e consoante os condicionamentos económicos, religiosos e sociais. E a escolha intensifica sempre estes condicionamentos, cuja implacável acção engendra mais sofrimento.

(...)

Toda a escolha gera a desgraça e o sofrimento. Ao observá-la, vemos como permanece à coca, à espreita, exigente, insinuante, insistente; sem que o percebamos, vemo-nos presos nas malhas intransponíveis do desespero, dos deveres e das responsabilidades. É só olhar para ver o facto. Basta estarmos conscientes do facto; impossível é modificar o facto; podemos encobri-lo ou evitá-lo, mas não podemos modificá-lo. Ele simplesmente existe. E se o deixarmos em paz, se não interferirmos com as nossas vãs esperanças e opiniões, com a nossa astúcia e avaliação, o facto florescerá para revelar tudo isso e mais alguma coisa. Para tanto, precisamos estar plenamente conscientes do seu significado, sem precipitações. Veremos, então, que ao florescer a escolha, ela morre dando lugar à liberdade; não que estejamos livres de alguma coisa, mas existirá, então, a liberdade. Nós, que fizemos da escolha o nosso modo de viver, já não escolhíamos. Nada havia a escolher. E é deste estado, livre de escolha, que brota a infinita solidão da morte. Do seu constante florescimento nasce o que é sempre novo. Estar só é morrer para o conhecido. A escolha se baseia nas coisas conhecidas, e são elas que produzem a dor. Cessa o sofrimento na plenitude da solidão.

Krishnamurti, Diário de Krishnamurti

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20 de Novembro

20.11.21

(...) 

Precisamos libertar-nos da palavra, colocá-la  no seu devido lugar, sem atribuir-lhe excessiva importância; cumpre ver que a palavra não é a coisa e que esta jamais será a palavra; atentar para os perigos contidos nas diversas modalidades da palavra, sem contudo negligenciar o seu emprego consciencioso e correcto. É necessário ser sensível às palavras sem se deixar dominar por elas; ser capaz de romper a barreira verbal ao considerarmos um facto; e ter condições de neutralizar o efeito venenoso das palavras sem se tornar insensível à sua beleza. Importa abandonar toda a identificação com a palavra e estar apto a analisá-las de modo isento para escapar à cilada e ao engodo que elas encerram. São elas meros símbolos, nunca a coisa real. O véu das palavras serve de abrigo à mente fraudulenta, leviana e preguiçosa. A escravização às palavras é o princípio da inacção que só é acção na aparência; a mente atrelada ao símbolo não vai muito longe. Cada palavra, cada pensamento influencia a mente, e esta, quando não compreende o processo do pensar, torna-se escrava das palavras, dando assim início ao sofrimento. As conclusões e as explicações de nada servem para libertar-nos do sofrimento.

A meditação não é um meio para se atingir um fim, pois a meta, o objectivo, não existe; a meditação é uma viagem para dentro e para fora do tempo. Todo o método e sistema condicionam o pensamento ao tempo; mas, o estado de plena consciência perante cada manifestação do pensamento e do sentimento, permitindo o seu florescimento, é o princípio da meditação. Quando o pensamento e o sentimento desabrocham e fenecem, a meditação é o movimento da transcendência do tempo. Disso advém o êxtase. O amor é o vazio absoluto, do qual emanam a criação e a destruição.

Krishnamurti, Diário de Krishnamurti

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17 de Novembro

17.11.21

(...)

Todo o pensamento e sentimento deve florescer para que se complete o ciclo da vida e da morte; é preciso que tudo em nós floresça: a ambição, a avidez, o ódio, o regozijo, a paixão, para que do seu findar surja a redenção. Somente em liberdade pode alguma coisa vicejar, jamais na repressão, no controle e na disciplina, base de toda a corrupção e perversão. 0 florescimento e a liberdade constituem a essência da bondade e da virtude. Não é fácil, por exemplo, deixar florescer a inveja; em geral, a condenamos ou a exaltamos, mas nunca a deixamos crescer livremente. E a liberdade é fundamental para que o facto da inveja se revele em toda a sua plenitude, expondo as subtis variações da sua forma, da sua intensidade e de quanto a caracterize. Em clima de repressão, a inveja dificilmente virá à luz. Mas, ao se expor dá-se a sua natural extinção; e ao desaparecer a inveja nós nos defrontamos com o facto do vazio, da solidão e do medo. À medida que cada um desses factos floresce em liberdade, cessa o conflito entre o observador e a coisa observada; ao desaparecer o censor, resta unicamente o acto de observar e ver. A liberdade nasce da acção total, jamais da repetição, da repressão, ou da sujeição a um dado padrão de pensamento. E só existe a perfeição da completa integridade no florescer e no morrer; se uma coisa não terminar, nunca poderá florescer. Aquilo que tem continuidade é o pensamento através do tempo. Ao florescer, o pensamento deixa de existir, pois é somente na morte que surge o novo. Para que o novo surja é preciso que cesse todo o conhecido. O novo não nasce do pensamento, do que é velho; ele deve morrer para que desponte o novo. Tudo o que floresce deve necessariamente findar.

Krishnamurti, Diário de Krishnamurti

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16 de Novembro

16.11.21

(...)

O acto de questionar é mera revolta, uma reacção ao que é, e as reacções são destituídas de significado. Os comunistas estão em revolta contra os capitalistas, o filho contra o pai; e há os que se recusam a aceitar a norma social, aqueles que buscam eliminar a opressão económica da sociedade. É possível que esse tipo de revolta seja necessário, mas, em verdade, é muito superficial; substituindo velhos padrões por outros mais novos, a mente continua presa a sistemas repetitivos que a destroem. A constante revolta dentro dos muros da prisão faz parte da reacção do imediatismo perante as questões fundamentais da existência; preocupados com a decoração do interior dessa prisão, o que nos traz enorme satisfação, esquecemo-nos da tarefa primordial de demolir-lhe os muros. O descontentamento superficial faz parte da prisão e não nos leva muito longe; é capaz de nos levar à lua ou à bomba atómica, mas tudo isso continua dentro dos limites do sofrimento. Mas, questionar a própria estrutura do sofrimento e transcendê-lo já não significa fugir. Trata-se de algo mais fundamental e urgente do que ir à lua ou ao templo; e é este questionar que destrói aquela estrutura e não a construção de uma prisão mais moderna e sofisticada, com os seus deuses e redentores, com os seus economistas e líderes políticos. Esta investigação é que elimina o mecanismo do pensamento e não a mera substituição de um pensamento por outro, de uma conclusão por outra, de uma por outra teoria. Neste tipo de investigação, questiona-se a validade da autoridade como um todo, da autoridade da experiência, da palavra e do poder, esse mal tão respeitado. Tal contestação, não oriunda da reacção, da escolha e do motivo, aniquila a actividade egocêntrica dos moralistas e dos adeptos da respeitabilidade. E é justamente esta actividade egocêntrica que, em vez de ser completamente eliminada, continua passando por intermináveis reformas, dando origem ao perene sofrer. Tudo aquilo que possui causa e motivo conduz, inevitavelmente, à agonia e ao desespero.

Tememos o total aniquilamento do conhecido, que é a base do ego, do “eu”, do “meu” ; damos preferência ao conhecido com toda  a sua confusão, conflito e miséria; com a liberdade das coisas conhecidas, corremos o risco de perder aquilo que denominamos amor, relações, felicidade e tudo o mais. A questão explosiva, fundamental, de nos libertarmos do conhecido, o que não é mera reacção, põe fim ao sofrimento e o amor transcende, então, o pensamento e o sentimento.

Como são frívolas e vazias as nossas vidas! As nossas actividades e pensamentos são mesquinhos e, incapazes de libertar-nos do conflito e da dor, movimentamo-nos sempre dentro daquilo que conhecemos,
na eterna busca de segurança psicológica. Mas não existe a segurança no conhecido. A segurança é tempo, e o tempo psicológico, o tempo subjectivo, não existe; como toda a ilusão e mito, gera o medo. Nada é permanente na vida. Através da correcta observação e do questionamento destruímos o padrão erigido pelo pensar e sentir, o padrão do passado, o padrão estabelecido. Cessa o conhecido através do autoconhecimento, da profunda compreensão da totalidade do pensamento e sentimento, da total consciência de cada movimento do pensamento e sentimento. O conhecido só nos faz sofrer, e o amor surge com a libertação do conhecido.

Krishnamurti, Diário de Krishnamurti

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