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De tudo quanto existe, algumas coisas dependem de nós. De nós dependem a opinião, os apetites, os impulsos, a aversão e, numa palavra, cada uma das nossas acções. Não dependem de nós o corpo, os bens, a fama, o poder e, numa palavra, tudo o que não constitui uma acção nossa. Mais, o que depende de nós é por natureza livre, sem constrangimentos, e ilimitado, enquanto que o que não depende de nós é fraco, servil, sujeito a constrangimento e pertença de outrem.
Lembra-te, por isso, que se acaso considerares livre o que por natureza é servil, e teu o que pertence a outrem, ficarás de pés atados, sujeito a padecimentos e perturbações e culparás ambos, deuses e homens. Se, pelo contrário, considerares teu apenas o que é teu de facto, e o que não te pertence tal qual é, jamais alguém te há-de subjugar, ninguém te fará impedimento, a ninguém culparás, com ninguém reclamarás, absolutamente nada farás contra a tua vontade, nenhum inimigo arranjarás, ninguém te molestará; nada, enfim, te fará dano.
Com tão grandes expectativas, lembra-te pois que não convém empenhares-te vagamente na sua realização. Pelo contrário, de algumas coisas exteriores terás de abdicar por completo e, no momento, analisar a fundo outras. É que, se as desejares como alguém que deseja ambos, poder e riqueza, talvez não venhas a possuir nenhum deles, pois tenderás para as primeiras e, por certo, não conseguirás aquilo que, por si só, granjeia liberdade e felicidade.
Preocupa-te, por isso, em dizer claramente a cada ilusão enganadora: «és uma ilusão e nem de perto és o que pareces ser.» Analisa-a de seguida e testa-a segundo essas normas que possuis, das quais a primeira e mais importante é saber se pertence à categoria das coisas que dependem de nós ou à das que de nós não dependem. Então, se for das que não dependem de nós, tem bem pronta a resposta: «não é nada comigo.»
Epicteto, A Arte de Viver