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A escolha está sempre presente na vida; mas, na solidão, não existe escolha. Toda a forma de escolha traz conflito e sempre acarreta a contradição, que origina confusão e sofrimento. O desejo de escapar ao sofrimento transforma em obsessão toda e qualquer actividade humana, seja ela a busca de um deus, seja uma crença, seja a defesa do nacionalismo. Ao servirem de fuga, tais actividades adquirem total importância; mas, em verdade, a fuga leva sempre à ilusão, origem da ansiedade e do medo. A amargura e o desespero são a essência da escolha. A escolha ou a selecção terá de existir enquanto houver a entidade que escolhe e a acumulação de memória da dor e do prazer; o acto de experimentar o objecto da nossa escolha serve apenas para fortalecer a memória que passa a reagir na forma de pensamento e sentimento. A memória tem uma função específica e mecânica, da qual nasce a escolha. Nela não há liberdade. Escolhemos conforme o meio em que fomos educados e consoante os condicionamentos económicos, religiosos e sociais. E a escolha intensifica sempre estes condicionamentos, cuja implacável acção engendra mais sofrimento.
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Toda a escolha gera a desgraça e o sofrimento. Ao observá-la, vemos como permanece à coca, à espreita, exigente, insinuante, insistente; sem que o percebamos, vemo-nos presos nas malhas intransponíveis do desespero, dos deveres e das responsabilidades. É só olhar para ver o facto. Basta estarmos conscientes do facto; impossível é modificar o facto; podemos encobri-lo ou evitá-lo, mas não podemos modificá-lo. Ele simplesmente existe. E se o deixarmos em paz, se não interferirmos com as nossas vãs esperanças e opiniões, com a nossa astúcia e avaliação, o facto florescerá para revelar tudo isso e mais alguma coisa. Para tanto, precisamos estar plenamente conscientes do seu significado, sem precipitações. Veremos, então, que ao florescer a escolha, ela morre dando lugar à liberdade; não que estejamos livres de alguma coisa, mas existirá, então, a liberdade. Nós, que fizemos da escolha o nosso modo de viver, já não escolhíamos. Nada havia a escolher. E é deste estado, livre de escolha, que brota a infinita solidão da morte. Do seu constante florescimento nasce o que é sempre novo. Estar só é morrer para o conhecido. A escolha se baseia nas coisas conhecidas, e são elas que produzem a dor. Cessa o sofrimento na plenitude da solidão.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti