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Como somos ignorantes a nosso próprio respeito! Sabemos tudo sobre a distância entre a terra e a lua, sobre a atmosfera em Vénus, sobre a montagem de complexos cérebros eletrónicos, sobre a desagregação do átomo e da ínfima partícula de matéria, mas nada sabemos sobre nós mesmos. Ir à lua empolga-nos mais do que uma viagem no nosso interior. Por indolência, por medo ou, quem sabe, por não nos proporcionar o lucro ou a fama, hesitamos empreender esta viagem tão longa. Nada ou ninguém nos pode ajudar nesta jornada, nem mesmo um livro, uma teoria ou um guia qualquer. Temos de fazê-lo sozinhos, munidos de uma energia infinitamente superior àquela necessária à invenção e montagem de sofisticada máquina. E esta energia não pode ser obtida através de nenhuma droga, nem de nenhuma relação humana, ou ainda do controle ou da renúncia. Tão-pouco nenhum deus, ritual, crença ou prece nos pode propiciá-la. É justamente no abandono de tudo isto, ao compreendermos o intrincado mecanismo da fuga e do desejo, que aquela energia penetra e ultrapassa o consciente.
Impossível é adquirir esta energia acumulando conhecimentos a nosso próprio respeito, pois toda a forma de acumulação e apego a enfraquece e desvirtua. Tais conhecimentos com o tempo tornam-se um fardo, limitando-nos, aprisionando-nos. Com isso deixamos de ser livres para agir no estreito limite daqueles conhecimentos. O aprender está no presente imediato, e o saber sempre no passado. O desejo de acumular impede o acto de aprender, pois o conhecimento é estático, podendo apenas ser ampliado ou reduzido. Já o aprender é dinâmico e, portanto, prescinde do processo de acumulação. Não tem começo nem fim o autoconhecimento. Efémero é o saber e infinito o aprender.
Nós somos o resultado final de centenas de séculos de existência da humanidade, das suas esperanças e desejos, culpas e ansiedades, crenças e deuses, preenchimentos e frustrações; somos a acumulação de tudo isto com o acréscimo de épocas mais recentes. A descoberta dessas verdades profundas ou superficiais não significa a mera repetição de frases de efeito ou conclusões sobre o óbvio. Aprender é vivenciar todos esses factos, numa experiência directa e sentida, no contacto vivo, intenso, não teórico ou verbal, tão concreto quanto a fome que sente um homem verdadeiramente faminto.
No aprender não há aquele que aprende, pois este só sabe acumular conhecimentos. Da divisão entre aquele que aprende e o objecto da sua aprendizagem nasce o conflito, que dissipa a energia necessária ao aprender e ao autoconhecimento. Escolha é conflito e impede a percepção directa da verdade; o acto de condenar e de ver também impossibilitam o ver. Na percepção desse facto, isento de teorias ou conclusões, dá-se o aprender de momento a momento. Em verdade, o processo de aprender é interminável. É ele o factor primordial da existência, e não os fracassos, os êxitos alcançados ou os erros cometidos. O fundamental é o acto de ver, e não aquele que vê ou a coisa que é vista. O limite da consciência são as muralhas da sua própria existência, formadas pela experiência, pelo conhecimento, pela memória. Destruímos estas muralhas ao aprendermos sobre este condicionamento, colocando, assim, o pensamento e o sentimento na sua específica e limitada função. Eles deixam então de interferir nas amplas e profundas questões da existência. Morto o ego, com as suas tramas secretas, os seus anseios e exigências, com as suas alegrias e tristezas, inicia-se o eterno movimento da vida.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti