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Surpreendia, naquela manhã, o vibrante colorido das flores amarelas no terraço. À luz da aurora, elas pareciam mais vivas e despertas do que as suas vizinhas. A presença real e objectiva daquela energia no nosso quarto desde a madrugada não era produto do pensamento ou da imaginação. Clareava e, mais uma vez, a serena imobilidade envolvia o corpo e a mente. Completamente desperto, o cérebro observava, sem interpretar. Força de incorruptível pureza e extraordinário vigor, sempre nova e impressionante, ela estava dentro e fora de nós, sem nenhuma divisão. Subjugados por esta energia, o coração e a mente cessavam de existir.
Somente na humildade floresce a virtude. Tão-pouco é virtude a moralidade social, mero ajustamento a um variável padrão de ambiente ou conduta. A moral vigente, aceite pela sociedade e pela igreja, que tornam respeitável esse modelo, também nega a virtude. Enraizada no conformismo e no desejo de recompensa ou medo à punição, esta moralidade pode ser ensinada e praticada, modelando a sociedade, através da influência e da propaganda, responsável por inúmeros padrões de conduta. Mas a virtude não é produto do tempo ou de circunstâncias. Ela não pode ser cultivada, e não admite controlo ou disciplina. Espontânea e gratuita, é impossível conceder-lhe a marca da respeitabilidade, ou dividi-la em bondade, caridade, amor fraternal e assim por diante. A virtude não é produto do ambiente, da riqueza, ou da pobreza, da abstinência ou de algum dogma. Ela não nasce da astúcia nem do pensamento ou da emoção. Tão-pouco resulta da revolta contra a moral social; sendo uma reação do pensamento, a revolta é mera continuidade modificada do que foi.
Se cultivada, torna-se a humildade orgulho disfarçado, na ânsia de tornar-se respeitável. Assim como é impossível o amor transformar-se em ódio, a vaidade jamais se tornará humildade. Pelo ideal da não-violência não se elimina a violência; esta simplesmente tem de findar. A humildade não é um ideal por alcançar, pois todos os ideais são falsos, sendo o facto a única verdade. A humildade não é o oposto do orgulho; ela, simplesmente, não tem oposto. Todos os opostos se inter-relacionam, mas nada há em comum entre humildade e orgulho. Este cessa não por acto voluntário, mediante a disciplina ou o desejo de lucro, mas na chama da atenção, livre da contradição e desordem causadas pela concentração. Termina o orgulho ao compreendermos toda a sua actividade. Essa compreensão vem com a passiva observação dos mínimos movimentos do orgulho. Tal observação é do presente e não pode ser exercitada ou praticada, pois nesse caso seria uma astúcia do pensamento, incapaz de suscitar a humildade. A atenção origina-se do silêncio e da extrema sensibilidade e imobilidade do cérebro. O centro que resulta da concentração, com a sua actividade exclusivista, é dissolvido pela atenção, aquela percepção instantânea capaz de destruir o orgulho. Desse estado brotam a humildade e a virtude que dão nascimento à bondade e à caridade. Não há virtude sem humildade.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti