Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
(...)
Manhã esplêndida; sol por toda a parte; a brisa a agitar a folhagem; tempo excelente para um passeio de carro, não muito demorado, mas que desse para se apreciar a beleza terrena. Manhã renovada pela morte,
não aquela produzida pela decadência, pela doença ou por um acidente, mas a morte que destrói dando lugar à criação. Nada se cria, enquanto a morte não varrer todas as coisas que o cérebro acumula para salvaguardar uma existência egocêntrica. Antes, a morte era uma nova forma de continuidade; estava associada às coisas que continuam. Com a morte, veio uma nova existência, uma nova experiência, um novo sopro de vida. O que era velho cessou e nasceu o novo, que, por sua vez, deu lugar a um outro novo. A morte era o meio de se chegar ao novo estado, à nova invenção, a uma nova maneira de viver, a um novo pensar. Fora uma mudança aterradora, porém essa própria mudança trouxe uma nova esperança.
Agora, todavia, a morte não trouxe nada de novo, um diferente horizonte, um outro alento. É a morte absoluta e final. E, então, nada existe, nem passado nem futuro. Nada. Coisa alguma está a nascer. Contudo, não existe desespero ou busca; é a morte completa, livre do tempo; a morte que contempla do profundo vazio do nada. É a morte sem o velho e sem o novo. Despojada do sorriso ou da lágrima. Não é uma máscara a cobrir, a esconder alguma realidade. A realidade é a morte, e não é necessário ocultá-la. A morte tudo apagou, sem nada deixar. Este nada é a dança da folha, o grito da criança. Não é coisa nenhuma, e assim deve ser. O que continua exprime decadência, automatismo, hábito, ambição. Existe a corrupção, mas não a morte. A morte é o nada absoluto. Ela deve estar presente, porque é dela que desabrocha a vida, o amor. A criação existe neste vazio. Sem a morte total, não há criação.
Líamos algo, casualmente, e comentávamos sobre a situação do mundo, quando, de súbito, manifestou-se aquela bênção, inundando o quarto, como agora acontece frequentemente. Íamos começar a comer, quando ela penetrou pela porta aberta da saleta. De facto, podíamos senti-la, fisicamente, qual uma onda a invadir o quarto. Tratava-se de uma intensa e crescente energia, extraordinariamente forte e imóvel, de poder destruidor. As palavras não são a coisa, e a realidade é verbalmente inexprimível; ela deve ser vista, ouvida e vivida; o seu significado é, então, completamente diferente.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti