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Era cada vez mais intenso o êxtase que nos assaltara, inesperadamente, ao longo daquela estrada estreita e tortuosa, à luz do anoitecer. Ele surgiu ao observarmos a minúscula aranha saltar ágil sobre as moscas, agarrando-as com ferocidade; veio-nos da observação de uma única folha trémula no meio da folhagem imóvel e ao observarmos o pequeno esquilo mal-humorado com a sua longa cauda balançando para cima e para baixo. Era sem motivo o êxtase, ao passo que a alegria, por ser o resultado de alguma coisa, é fútil e varia conforme as circunstâncias. Esse estranho e inexplicável êxtase crescia sempre de intensidade e o que é intenso jamais se brutaliza; ainda que dócil e flexível, era extremamente apaixonado. Não se trata do arrebatado vigor da energia física concentrada, nem de um produto do pensamento em busca de um ideal, ou absorto em si mesmo; tão-pouco se refere a um sentimento elevado, pois este não está isento da causa ou da finalidade. Era um êxtase gratuito, livre da concentração, que é a única barreira da energia total. De origem e evolução espontânea, parecia uma força alheia ao nosso controlo e desejo; não podíamos opinar sobre a matéria. Havia incrível delicadeza naquela crescente energia. A palavra delicadeza está deturpada; sugere fraqueza, pieguice, hesitação, incerteza, timidez, um certo medo e assim por diante. Mas não era nada disso; a sua força e vigor estavam isentos de defesas e, portanto, havia intensidade naquele êxtase. Impossível cultivá-lo, ainda que o quiséssemos; tratava-se de um estado que não pertencia à categoria do forte e fraco. Vulnerável como o amor, aquele êxtase tão delicado crescera tanto que era como se nada mais existisse. 0 ir e vir das pessoas, a viagem de automóvel e a conversa, o veado e a palmeira, as estrelas e os arrozais lá estavam em todo o seu esplendor; mas, tudo isso se confundia com aquele supremo êxtase. Uma chama tem linha e forma, mas no interior da chama o que existe é intenso calor, sem linha ou forma.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti