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Após o leve jantar, falávamos de diversos assuntos relacionados com a escola, das suas necessidades, da dificuldade de se encontrarem bons professores, da seca e de outras coisas. Enquanto a conversa prosseguia, a imensidão daquela bênção surgiu inesperadamente à nossa frente; imobilizados pela sua força devastadora, os nossos olhos eram capazes de vê-la, o corpo de senti-la e o cérebro de percebê-la sem a interferência do pensamento. Naquele ambiente descontraído, algo de extraordinário acontecia, que se prolongaria por toda a noite, mesmo após a hora de nos deitarmos. Bênção arrazadora, aquele raro fenómeno simplesmente existia, indiferente a qualquer forma de crítica ou avaliação. Facto inédito, sem conexão, no passado ou no futuro, era inacessível ao pensamento e nada representava em termos de ganho ou de lucro pessoal. Mas, por ser gratuita, dela jorrava a imensidão do amor e da beleza. Assim como a chuva é indispensável à terra, sem aquela bênção, nada existe.
O tempo é uma ilusão; mas não o tempo cronológico, que é uma realidade. Por depender do tempo para efectivar a transformação interior, o pensamento enreda-se num círculo vicioso, porque, então, realmente não ocorre transformação nenhuma, já que a transformação por ele projectada é apenas a continuidade modificada do que existiu. Desta maneira, o pensamento se torna lerdo, indolente, protelando sempre a acção, por acreditar no processo gradual do tempo e nos ideais. O tempo deve simplesmente findar para que ocorra a mutação. Ela só se realiza ao negarmos o hábito, a tradição, as reformas, os ideais e todas as coisas transitórias. Vem a mutação ao negarmos completamente a ideia do tempo. Refiro-me à verdadeira mutação, não à mera troca de padrões ou a pequenas alterações introduzidas nos moldes existentes. Sem dúvida, o tempo é necessário, por exemplo, na aprendizagem de uma técnica. E seria absurdo negar a necessidade do tempo para irmos de um lugar para outro, mas todas as suas outras modalidades são ilusórias. O estado de atenção, como factor essencial da mutação, gera uma acção nova, que não se transforma em hábito, na repetição de uma sensação, de uma experiência, ou de um conhecimento; tudo isto embota o cérebro, tornando-o insensível e incapaz de sofrer uma mutação. A virtude não é consequência da escolha de determinado hábito, ou de uma conduta mais correcta. Livre de restrições, ela é despojada de qualquer padrão de respeitabilidade e nega toda a forma de ideal. De acção revolucionária, a virtude é o risco constante, a força devastadora do amor, a consciência livre e plena.
Krishnamurti. Diário de Krishnamurti