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Sinto em mim essa sede insaciável que pretende absorver tudo que encontra no seu caminho. Considero os sofrimentos e alegrias dos outros somente em relação a mim, como um alimento que mantém as forças da minha alma. Não sou capaz de me desorientar sob a influência da paixão. A ambição em mim é esmagada pelas circunstâncias, mas manifesta-se sob um outro aspecto, porque a ambição é somente a sede do poder e o meu primeiro prazer é submeter à minha vontade tudo o que me rodeia; suscitar à volta o sentimento de amor, da devoção e do medo, não será o primeiro indício, e o mais magnífico triunfo, para o domínio?
Ser para alguém causa de dor e d alegria, sem ter nenhum direto positivo a isso, não será o mais agradável alimento do nosso orgulho? Ora, que é a felicidade? O orgulho satisfeito. Se me considero a mim próprio como o melhor dos seres, o mais poderoso do mundo, sentir-me-ei feliz. Se todos pudessem amar-me, encontraria em mim próprio infinitas fontes de amor.
O mal gera o mal; o primeiro sofrimento leva a conceber o prazer de torturar outrem; a ideia do mal não pode entrar na cabeça dum homem sem que tenha vontade de a aplicar à realidade. Já disse alguém que as ideias são seres orgânicos: o seu nascimento dá-lhes já uma forma e essa forma é acção. O homem na cabeça do qual nascem mais ideias actua mais do que os outros. Eis porque um génio pregado a uma secretária de funcionário tem de morrer ou ficar doido; do mesmo modo, um homem de compleição vigorosa, se leva uma vida sedentária e actua moderadamente, morrerá dum ataque de apoplexia.
As paixões não são mais do que ideias no seu primeiro britar. Pertencem por direito próprio à juventude do coração e bem tolo é o que pensa ser movido por elas toda a sua vida: muitos risos serenos começam por cascatas ruidosas, mas nenhum salta ou faz espuma até ao mar. Essa calma, porém, é indício dema força enorme, embora oculta.
A plenitude e profundidade dos sentimentos e das ideias não são consentâneas com transportes excessivos. A alma, ao sofrer e gozar, dá rigorosamente conta de tudo e adquire a convicção de que deve ser assim. Sabe que em tempestades o ardor constante do sol a secaria; penetra-se da sua própria vida, anima-se e castiga-se a si própria como um menino muito querido. É somente quando atinge esse mais alto estado do conhecimento de si que o homem pode apreciar a justiça de Deus.
Mikail Lermontov, Um Herói do Nosso Tempo