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É estranha a importância que se atribui ao dinheiro; todos o valorizam, tanto quem o dá como quem o recebe, seja rico e poderoso, seja pobre e miserável. Ou falamos sem cessar do dinheiro, ou, por educação, evitamos mencioná-lo, sem, no entanto, perdê-lo de vista. Dinheiro para as obras sociais, dinheiro para uma festa, dinheiro para a igreja, ou dinheiro para simplesmente comprar arroz. Mas, tenha você dinheiro ou não, o sofrimento e a aflição existem. O valor de uma pessoa é proporcional ao cargo que exerce, aos certificados que acumula, à sua capacidade profissional, à sua eficiência e ao salário que recebe. E há a inveja do rico e a inveja do pobre, e o espírito de competição motivado pelo desejo de aparecer, de exibir roupas, sabedoria e brilho intelectual. Toda a gente deseja impressionar alguém e, quanto maior a plateia, tanto melhor. Porém, mais importante do que o dinheiro, só o poder. Os dois juntos
formam uma dupla perfeita; ainda que não tenha dinheiro, o santo influi tanto sobre os ricos quanto sobre os pobres. Os políticos aproveitam-se do povo de um país, do santo, dos deuses, de tudo quanto necessário, para vencer e para transmitir aos demais o absurdo da ambição e a brutalidade do poder. Não há limite para o dinheiro nem para o poder; quanto mais possuímos, mais queremos possuir e isto não tem fim. Todavia, nem mesmo todo o dinheiro e poder do mundo eliminam o sofrimento; por mais que você tente escapar dele ou esquecê-lo, ou racionalizá-lo, ele estará sempre lá, como uma ferida profunda e incurável.
Ninguém quer libertar-se do sofrimento, pois é extremamente difícil compreendê-lo; está tudo nos livros e nestes as palavras e as conclusões adquirem primordial importância. Mesmo assim, persiste o sofrimento, ainda que encoberto por ideias. A fuga torna-se, então, de extrema importância; mas, ela é a essência da superficialidade, mesmo se tiver um aspecto de seriedade. É difícil escapar do sofrimento. Para eliminá-lo, temos de atingir-lhe o âmago. Cabe-nos penetrar até o fundo de nós mesmos, desvendando os mais íntimos recessos da nossa consciência. É necessário perceber, sem criticar ou julgar, o mais leve vestígio ou inclinação do astuto pensamento, todo e qualquer sentimento ou determinada reacção. É o mesmo que seguir o curso de um rio até à sua origem; o próprio rio se encarrega de fazê-lo. Cumpre-nos acompanhar todas as pistas conducentes ao âmago do sofrimento. Para isto, basta observar, ver e ouvir, pois tudo está às claras. Precisamos empreender uma longa viagem, não em direção à Lua nem em busca de um deus, mas para dentro de nós mesmos. Ou damos um salto nesta direção e de pronto acabamos com o sofrimento, ou a viagem se tornará mais longa, morosa, fútil e desapaixonada. Enquanto existir a fuga, seremos incapazes de sentir paixão e, sem ela, é impossível acabar com o sofrimento. Surge a paixão quando deixamos de fugir.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti