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Evoquei na memória todo o meu passado e, sem querer, pus-me a fazer interrogações: Porque vivi? Nasci para atingir algum fim?... Esse fim existia, certamente, e, com certeza, o meu destino no mundo era grande pois sinto na minha alma forças imensas... Não adivinhei, contudo, esse destino e deixei-me arrastar pelos apelos sedutores das paixões vãs e ingratas. Do seu cadinho, saí duro e frio como o ferro, mas perdi para sempre a chama dos nobres impulsos, a melhor flor da minha vida.
Desde então, quantas vezes tenho desempenhado o papel do cutelo nas mãos do destino! Como instrumento de suplício, caí, em geral, sem maldade, sempre sem remorsos, no pescoço das vítimas condenadas... O meu amor não deu a felicidade a ninguém, por nunca ter sacrificado nada por aquelas a quem amei. Amei-as por mim, pelo meu próprio prazer. Satisfazia, simplesmente, a estranha necessidade do meu coração, absorvendo com avidez os seus sentimentos, a sua ternura, as suas alegrias e as suas dores, e nunca podia saciar-me. Assim, um homem que morre de fome adormece esgotado e vê diante de si manjares apetitosos e vinho espumante; devora em êxtase as prendas fantásticas da sua imaginação e sente-se satisfeito; mas, mal desperta, o sonho desfaz-se... e redobram a fome e o desespero.
Morrerei, talvez, amanhã?... Não ficará na terra nenhum ser que me tivesse compreendido perfeitamente. Uns consideram-me pior, outros melhor do que sou na realidade... Os últimos dirão: era um excelente rapaz; os primeiros: era um grande patife. Enganam-se, tanto uns como outros. Depois, valerá a pena viver? Vivemos, apesar de tudo, por curiosidade: estamos sempre à espera de qualquer coisa de novo... Como é ridículo e desagradável!
Mikail Lermontov, Um Herói do Nosso Tempo