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(...) Não podemos perceber o mundo exterior sem sermos impelidos a vagar pelo mundo interior. Na verdade, o externo é o interno e o que está dentro está fora e é quase impossível estabelecer uma distinção entre esses dois universos. Ao olharmos para aquela árvore esplendorosa já não sabíamos quem observava e o que observava e, logo em seguida, o observador deixava de existir. Tudo vibrava tão intensamente que nada mais restava senão a vida, perante a morte definitiva do observador. Já não existia a linha divisória entre a árvore, os pássaros e aquele homem ali sentado sobre aquela terra tão fértil. Lá estava a virtude sem o pensamento e, portanto, ali havia ordem. Sem ser um estado permanente, a virtude vem de momento a momento, e com o sol do entardecer, surgiu aquela bênção tão livre e despreocupada. Com a proximidade da noite, os pássaros se aquietaram e a natureza buscava o recolhimento. Também o cérebro, aquela coisa tão maravilhosa, sensível e vital, tornava-se imóvel, limitando-se a observar, sem reagir, sem fixar, sem gravar, sem experimentar, porém extremamente lúcido e atento. Com aquela coisa abençoada vem a força demolidora do amor. Tudo isto são meras palavras, e, como aquela árvore morta, apenas um símbolo daquilo que foi e que já não existe. A bênção se foi, deixando a palavra para trás; e a palavra morta jamais poderá captar o movimento ágil e fugaz do nada. Mas é daquele vazio que brota a infinita pureza do amor. Como pode o cérebro captar o amor, ele que é tão activo, tão sobrecarregado, tão saturado de saber e de experiência? É preciso negar tudo para que o amor exista.
O hábito, ainda que conveniente, destrói a sensibilidade; com o hábito vem a sensação de segurança, que é uma barreira para a sensibilidade e a lucidez; mas, isto não quer dizer que o estado de insegurança seja sinónimo de plena consciência. É incrível a rapidez com que o hábito se instala, dando origem ao prazer e à dor, bem como ao tédio e àquela coisa estranha chamada lazer. Habituamo-nos a trabalhar durante quarenta anos, após o que buscamos o lazer; ou, ao fim de um dia de trabalho, temos o lazer. Primeiro, é o hábito do trabalho, depois, é a vez do lazer, que também se transforma em hábito. Se não houver sensibilidade, não haverá afecto nem aquela integridade, que não é a reacção condicionada de uma existência contraditória. O hábito origina-se do pensamento, que está sempre em busca de segurança, ou de um estado imperturbável. E é exactamente esta busca de um estado permanente que nega a sensibilidade. A sensibilidade jamais causa sofrimento; este vem das diferentes formas de fuga. Ser sensível é estar plenamente vivo, de onde nasce o amor. Mas, com a sua astúcia, o pensamento ilude o indivíduo que busca, e essa ilusão em si é um pensamento; um pensamento não pode seguir outro pensamento. O que se percebe e vê é o florescimento do pensamento; e tudo aquilo que desabrocha em liberdade tem um fim, morre sem deixar marcas.
Krishnamurti, Diário de Krishnamurti