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O cavaleiro da fé só dispõe, em tudo e para tudo, de si próprio: daí o terrível da situação. A maior parte dos homens vive numa obrigação moral, que dia após dia evitam cumprir; mas também nunca alcançam essa concentração apaixonada, essa consciência enérgica. Para a obter, o herói trágico pode, em certo sentido, pedir socorro ao geral, mas o cavaleiro da fé está só em todos os momentos. O herói trágico realiza essa concentração e encontra repouso no geral, o cavaleiro da fé despende um esforço constante. (…)
O verdadeiro cavaleiro da fé encontra-se sempre no absoluto isolamento; o falso cavaleiro é sectário, quer dizer que tenta sair da estreita vereda do paradoxo para se tornar um herói trágico barato. O herói trágico exprime o geral e sacrifica-se por ele. Em vez de assim actuar, o polichinelo sectário possui um teatro privado, alguns bons amigos e companheiros que representam o geral tão bem como os assessores de A Tabaqueira de Ouro representam a justiça. O cavaleiro da fé, pelo contrário, é o paradoxo, é o Indivíduo, absoluta e unicamente o Indivíduo, sem conexões nem considerações. É essa a sua terrível situação, que o débil sectário não pode suportar. Em lugar de tirar como conclusão o reconhecer a sua incapacidade para fazer o que é grande e confessá-lo sinceramente, o que não posso deixar de aprovar pois que é afinal a minha atitude, o pobre diabo supõe que juntando-se a alguns dos seus semelhantes poderá alcançar o termo do seu intento. Mas de modo algum terá êxito, pois o mundo do espírito não se deixa enganar. Uma dezena de sectários dão-se as mãos; não compreendem absolutamente nada acerca das crises de solicitude que esperam o cavaleiro da fé e às quais não pode subtrair-se porque seria ainda mais terrível abrir caminho com demasiada audácia. Os sectários ensurdecem-se uns aos outros fazendo grande algazarra, mantém afastada a angústia graças aos seus gritos, e este conjunto de gente ululante de medo supõe poder assaltar o céu e trilhar o caminho do cavaleiro da fé; mas este, na solidão do universo, jamais ouve uma voz humana; avança sozinho com a terrível responsabilidade.
Kierkegaard, Temor e Tremor