Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]


...

21.09.20

É importante que tenhamos um segredo e a intuição de algo incognoscível. Esse mistério dá à vida um tom impessoal e “numinoso”. Quem não teve uma experiência desse tipo perdeu algo de importante. O homem deve sentir que vive num mundo misterioso, sob certos aspectos, onde ocorrem coisas inauditas – que permanecem inexplicáveis – e não somente coisas que se desenvolvem nos limites do esperado. O inesperado e o inabitual fazem parte do mundo. Só então a vida é completa. Para mim, o mundo, desde o início, era infinitamente grande e inabarcável.

Conheci todas as dificuldades possíveis para me afirmar, sustentando os meus pensamentos. Havia em mim um daimon que, em última instância, era sempre o que decidia. Ele me dominava, me ultrapassava e quando tomava conta de mim, eu desprezava as atitudes convencionais. Jamais podia deter-me no que obtinha. Precisava continuar, na tentativa de atingir a minha visão. Como, naturalmente, meus contemporâneos não a viam, só podiam constatar que eu prosseguia sem me deter.

Ofendi muitas pessoas; assim que lhes percebia a incompreensão, elas me desinteressavam. Precisava continuar. À exceção dos meus doentes, não tinha paciência com os homens. Precisava seguir uma lei interior que me era imposta, sem liberdade de escolha. Naturalmente, nem sempre obedecia a ela. Como poderíamos viver sem cometermos incoerências?

Em relação a alguns seres, era sempre próximo e presente, na medida em que mantínhamos um diálogo interior; mas podia ocorrer que, bruscamente, eu me afastasse, por sentir que nada mais havia que me ligasse a eles. Tinha que aceitar, penosamente, o facto de que continuassem lá, mesmo quando nada mais tinham a me dizer. Muitos despertaram em mim um sentimento de humanidade viva, mas só quando esta era visível no círculo mágico da psicologia; no instante seguinte, o projector poderia afastar deles seus raios e nada mais restaria. Podia interessar-me intensamente por alguns seres, mas, desde que se tornavam translúcidos para mim, o encanto se quebrava. Fiz, assim, muitos inimigos. Mas, como toda personalidade criadora, não era livre, mas tomada e impelida pelo demónio interior.

(...)

Poderia talvez dizer: necessito das pessoas mais do que os outros, e, ao mesmo tempo, bem menos. Quando o daimon está em ação, sentimo-nos muito perto e muito longe. Só quando ele se cala é que podemos guardar uma medida intermediária.

O demónio interior e o elemento criador se impuseram a mim de forma absoluta e brutal. As ações habituais que eu projetava passavam, geralmente, para o segundo plano, mas nem sempre ou em toda parte.

Carl Gustav Jung, Memórias, Sonhos, Reflexões

Autoria e outros dados (tags, etc)




Arquivo

  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2021
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2020
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2019
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2018
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2017
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2016
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2015
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2014
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D

Mais sobre mim

foto do autor