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«Não sei», exclamei em surdina, «não sei mesmo. Se ninguém vier, então paciência, não vem ninguém. Eu não fi mal a ninguém, ninguém me fez mal a mim, mas ninguém me quer ajudar. Ninguém mesmo. Mas isso também não é assim. Só que ninguém me ajuda - de contrário, mesmo ninguém seria uma beleza. Gostava muito - que me diz a isto? - de fazer um passeio em companhia mesmo só de ninguém. Naturalmente, à montanha, onde é que havia de ser? Como estes ninguéns se apertam uns aos outros, todos estes braços estendidos de través e entrelaçados, estes pés todos separados por minúsculos passos! Todos de casaca, é bem de ver! Vamos por aí fora, tralalá, um vento propício a soprar pelos espaços que nós e as nossas pernas deixamos abertos. Na montanha, as gargantas libertam-se! É um milagre não nos pormos a cantar!»

Franz Kafka, Parábolas e Fragmentos

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Decisões

20.09.15

Devemos ser capazes de superar facilmente um estado lastimável, ainda que com uma energia forçada. Levanto-me da poltrona, dou a volta à mesa, solto a cabeça e o pescoço, deixo os olhos ganhar luz, distendo os músculos à sua volta. Vou ao encontro de todos os sentimentos, recebo A. de forma esfuziante quando ele chegar, aceito amavelmente B. na minha sala, absorvo sofregamente, quando vem C., tudo o que se diz, apesar do sofrimento e do esforço.

Mas, mesmo que as coisas se passem assim, cada erro que não possa ser evitado entrevará tudo, o que é leve e o que é pesado, e eu vou ter de andar para trás em círculo.

Por isso, o melhor conselho é aceitar tudo, comportarmo-nos como uma massa pesada e, ainda que nos sintamos impelidos por um vendaval, não ceder à tentação de dar um único passo desnecessário, olhar para os outros com olhos de bicho, não sentir o menor arrependimento, esmagar com as próprias mãos aquilo que ainda resta da vida como um fantasma, ou seja, aumentar ainda o último silêncio, próprio do túmulo, e não aceitar mais nada a não ser ele.

Um gesto característico de um estado de espírito como este é o de passar com o dedo mínimo pelas sobrancelhas.

Franz Kafka, Parábolas e Fragmentos

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