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Quando, como eu agora, olhamos para o passado, vemos que a pouco e pouco tudo se resolve por si mesmo. Lidamos toda a vida com pessoas que sobre nós não sabem absolutamente nada, mas afirmam continuamente que sobre nós sabem tudo, os nossos amigos e parentes mais chegados não sabem nada, porque nós próprios de nós pouco sabemos. Andamos a vida inteira a perscrutar-nos e vamos com frequência até ao limite dos nossos recursos intelectuais e desistimos. Os nossos esforços acabam em total inconsciência e em fatal e com frequência mortal depressão. O que nós próprios nunca a nós nos atrevemos a afirmar, porque nós próprios somos de facto incompetentes, atrevem-se outros a censurar-nos e omitem propositada e involuntariamente tudo o que nos diz respeito e há em nós. Todos nós somos continuamente coisas que outros deitam fora e, em cada novo dia, têm de se reencontrar, reunir, recompor. Nós próprios proferimos, à medida que avançamos na idade, uma sentença cada vez mais dura e temos de suportar o dobro na direcção contrária. A incompetência reina por todos os lados e provoca naturalmente, com o tempo, a indiferença. Depois de tanta susceptibilidade e vulnerabilidade durante tantos anos, já nos tornámos quase insusceptíveis e invulneráveis, apercebemo-nos das feridas, mas já não somos hoje tão hiper-sensíveis como antigamente. Aplicamos golpes mais fortes e são também mais fortes os que suportamos. A vida fala uma linguagem mais breve e mais esmagadora, que nós próprios também hoje falamos, já não somos tão sentimentais que ainda tenhamos esperança. A desesperança proporcionou-nos clareza sobre pessoas, objectos, relações, passado, futuro e assim por diante.
Thomas Bernhard, excerto do texto "A Cave" (Autobiografia)