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Pergunta:

Não tenho interesse por coisa alguma, mas a maioria das pessoas está sempre ocupada em numerosos interesses. Não preciso trabalhar, portanto não trabalho. Devo empreender algum trabalho útil?

Krishnamurti:

Tornar-vos um obreiro social, ou um obreiro político, ou um obreiro religioso — não é isso? Como não tendes mais o que fazer, vos tornais reformador! Se nada tendes que fazer, se estais enfadado, porque não ficais enfadado? Porque não ficar assim? Se sentis tristeza, ficai triste. Não procureis uma saída, porque o facto de estardes enfadado tem imensa significação, se fordes capaz de o compreender, de viver com ele. Se dizeis: "Sinto tédio, e, por isso, farei qualquer outra coisa”, estais apenas procurando fugir ao tédio e, como a maioria das nossas actividades são fugas, causais muito mais malefício, socialmente e a todos os outros respeitos. É muito maior o malefício, quando fugis ao facto, do que quando permaneceis com ele. A dificuldade consiste em como permanecer com o facto, sem fugir dele. Visto que a maioria das nossas actividades constituem um processo de fuga, é dificílimo desistirmos de fugir e encararmos o facto. Por conseguinte, folgo muito em saber que vos sentis verdadeiramente enfadado, e digo--vos: "Alto! Fiquemos aqui; vamos ver o que é isto. Por que fazer alguma coisa?

Se estais enfadado, por que estais enfadado? Que coisa é essa que se chama tédio? Porque não tendes interesse por coisa alguma? Há-de haver razões e causas que vos embotaram: sofrimentos, fugas, crenças, actividades incessantes vos embotaram a mente e tornaram inflexível o vosso coração. Se pudésseis descobrir porque tendes tédio, porque não sentis interesse por coisa alguma, então, por certo, resolverieis o problema, não é verdade? O interesse, despertado, passaria a funcionar. Se não vos interessa saber a razão por que estais enfadado, não podeis forçar-vos a sentir interesse por uma actividade, só para fazer alguma coisa, como um esquilo que dá voltas na gaiola. Sei que é esta a espécie de actividade a que se entrega a maioria de nós. Mas podemos descobrir, interiormente, psicologicamente, a razão por que nos achamos neste estado extremo de tédio; pode-se ver por que a maioria de nós se acha neste estado: estamos esgotados, emocional e mentalmente; temos tentado tantas coisas, tantas sensações, tantos divertimentos, tantas experiências, que nos tornamos embotados, cansados. Aderimos a um grupo, fazemos tudo o que se nos prescreve, e depois o deixamos; passamos a outra coisa, para experimentar. Se não obtemos resultados com um psicólogo, procuramos outra pessoa ou um sacerdote e, se de novo somos mal sucedidos, passamos a outro instrutor, e assim por diante; estamos sempre em movimento. Esse processo de constante tensão e relaxamento é exaustivo, não achais? Como todas as sensações, não tarda a embotar a mente.

Temos feito isso, passado de sensação para sensação, de excitação para excitação, até chegarmos a um ponto em que nos vemos verdadeiramente exaustos. Agora, percebendo isso, não empreendais mais nada; descansai! ficai quieto! Deixai a mente ganhar forças por si mesma; não a forceis. Assim como o solo se renova durante o inverno, assim também, quando deixamos a men­te em repouso, ela se renova. É muito difícil, porém, deixar a mente em repouso, dar-lhe folga, depois de tudo isso, porque a mente quer estar sempre a fazer alguma coisa. Quando atingis o ponto em que realmente vos permitis ser exactamente como sois — enfadado, feio, repelente, ou o que for — então há possibilidade de fazer alguma coisa em relação ao facto.

Que acontece quando aceitais uma coisa, quando aceitais aquilo que sois realmente? Quando admitis que sois o que sois, onde está o problema? Só há problema quando não aceitamos uma coisa tal como é e desejamos transformá-la — o que não significa que eu esteja advogando a resignação, a conformidade. Ao contrário, se aceitamos o que somos, vemos então que a coisa que nos fazia medo, a coisa a que chamávamos tédio, a coisa a que chamávamos desespero, a coisa a que chamávamos medo, passou por completa transformação. Há uma transformação completa da coisa que temíamos.

Eis por que é importante, como disse, que compreendamos o processo, as maneiras do nosso pensar. O autoconhecimento não pode ser aprendido de outra pessoa, aprendido de um livro, de um credo, de uma psicologia, ou de um psicanalista. Ele tem de ser achado por vós mesmos, porque ele é a vossa vida. Não ampliando e aprofundando esse conhecimento do "eu”, podeis fazer o que quiserdes, alterar quaisquer circunstâncias ou influências exteriores ou interiores — haverá sempre o campo de cultura do desespero, da dor e do sofrimento. Para transcender as actividades egocêntricas da mente, deveis compreendê-las. E compreendê-las é estar consciente da acção nas relações, nas relações com coisas, com pessoas e com ideias. Nessas relações, que são o espelho, começamos a ver-nos a nós mesmos, sem nenhuma justificação ou censura, e, desse conhecimento mais amplo e mais profundo das tendências da nossa mente, podemos avançar mais além, sendo então possível estar a mente quieta, receber o real.

Krishnamurti, A Primeira e a Última Liberdade

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