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O falcão matizado desce velozmente e acusa-me, queixa-se da minha tagarelice e ociosidade.
Eu também não fui domesticado, eu também não sou traduzível,
Lanço o meu grito bárbaro sobre os telhados do mundo.
O último fulgor do dia permanece em mim,
Arremessa a minha imagem depois de todas, real como elas, sobre os desertos, sobre as sombras,
Insinua-se no vapor e nas trevas.
Parto como o ar, sacudo os meus cabelos brancos sob o sol que foge,
Espalho a minha carne em remoinhos, espalho-a em desenhadas rendas.
Entrego-me ao húmus para crescer da erva que amo,
Se me queres ter de novo, procura-me debaixo da sola das tuas botas.
Dificilmente saberás quem sou ou o que significo,
Todavia dar-te-ei saúde,
E filtrando o teu sangue dar-te-ei vigor.
Se à primeira não me encontrares, não desanimes,
Se não estiver num lugar, procura-me noutro,
Algures estarei à tua espera.
Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo
O passado e o presente murcham... Já os enchi e esvaziei,
E vou encher a minha prega futura.
Ei, tu que me ouves aí em cima! Que tens a dizer-me?
Olham-me no rosto enquanto respiro a tarde,
(Fala com franqueza, mais ninguém te ouve, e eu só fico mais um minuto).
Contradigo-me?
Muito bem, então contradigo-me,
(Sou imenso, tenho multidões).
Dirijo-me aos que estão perto, espero no umbral.
Quem fez o seu trabalho do dia? Quem acabará primeiro a sua ceia?
Falarás antes de me ir embora? Tirarás a proa demasiado tarde?
Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo
Está em mim... não sei o que é... mas sei que está em mim.
Desfigurado e suado... calmo e fresco torna-se o meu corpo,
Durmo... durmo longamente.
Não o conheço... não tem nome... é uma palavra não proferida,
Não vem em nenhum dicionário , expressão, símbolo.
Alto gira sobre algo maior do que a Terra sobre a qual giro,
Aí a criação é o amigo cujo abraço me desperta.
Talvez possa dizer algo mais. Noções! Imploro pelos meus irmãos e irmãs.
Vedes, ó irmãos e irmãs?
Não é o caos nem a morte... é forma, união, plano... é a vida eterna... é a Felicidade.
Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo
Creio que podia regressar e viver com os aninais, são tão plácidos e autónomos,
Fico a olhar para eles longamente.
Não se impacientam, não se lamentam da sua condição,
Não jazem acordados no escuro a chorar pelos pecados,
Não se maçam com discussões sobre os seus deveres para com Deus,
Nenhum está descontente, nenhum sofre da mania de possuir coisas,
Nenhum se ajoelha perante outro, nem perante os antepassados que viveram há milénios,
Nenhum é respeitável ou infeliz à face da terra.
Revelam a sua relação comigo e aceito-a,
Trazem-me sinais de mim, provam claramente que os contêm em si mesmos.
Pergunto-me onde terão adquirido esses sinais,
Será que em tempos remotos por aí passei deixando-os negligentemente cair?
Avançava então e avanço agora e sempre,
Juntando e e mostrando sempre mais e depressa,
Infinito e de todas as espécies sou, e igual a elas sou,
Não escolho demasiado aqueles que me recordarão,
Elejo aquele que amo e fraternalmente com ele vou.
Um garanhão de beleza imensa responde logo às minhas carícias,
A alta fronte, os olhos afastados,
Os membros reluzentes e flexíveis, a cauda longa varrendo o chão,
A ferocidade dos olhos cintilantes, as orelhas finas, e com elegância se move.
As narinas dilatam-se quando os meus calcanhares o apertam,
Os bem torneados membros estremecem de prazer enquanto galopamos e regressamos.
Só te uso um minuto, garanhão, e já te deixo,
Para que preciso do teu galope quando o meu te ultrapassa?
De pé ou sentado sou mais veloz que tu.
Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo
O que significa ser, em qualquer das suas formas?
(Ás voltas e voltas andamos e voltamos sempre aí),
Se mais nada tivesse evoluído, suficiente seria a amêijoa na sua concha dura.
A minha concha não é dura,
Instantâneos transmissores percorrem-me quando ando e quando paro,
Eles tomam cada objecto e conduzem-no até mim.
Mexo, aperto, sinto com os meus dedos, e sou feliz,
Não posso deixar de tocar os outros.
Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo